Sustentabilidade é um assunto que interessa a toda e qualquer organização social. A premissa da sustentabilidade é a instituição dispor de receitas próprias que sejam suficientes para manter todas as suas atividades. No nosso caso, por que estaríamos atrás de recursos de terceiros? Toda organização precisa ser viável. Ela deve conseguir se manter com suas próprias receitas somadas aos recursos doados. A questão da sustentabilidade está também ligada à diversificação no modo de obter recursos, sem que haja qualquer forma de dependência de alguma fonte.
Os conceitos de sustentabilidade e de captação de recursos, para as organizações do Terceiro Setor, são como arroz e feijão, café com leite, ou seja, andam juntas. Os dois temas passaram a atrair a atenção da mídia por conta da necessidade de encontrar alternativas que viabilizem o equilíbrio das instituições de ensino superior, neste caso às filantrópicas, em especial as fundações.
A captação ou mobilização profissional de recursos, voltada à sustentabilidade das instituições filantrópicas de ensino superior, está começando a engatinhar no Brasil, como aconteceu com o México há 15 anos. Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e outros países da Europa são as referências para nós no ensino superior. Em especial nos EUA, a prática é profissional e já existe há pelo menos 150 anos. Ou seja, não é assunto novo. Até as organizações não governamentais - ONG e instituições sem fins lucrativos já utilizam técnicas e estratégias reconhecidamente eficazes há bastante tempo.
Algumas IES nacionais já utilizam as técnicas de captação há alguns anos. Com um mercado em franco crescimento, com demanda reprimida, não era de se espantar que alguém ficasse muito entusiasmado em montar uma área para pedir dinheiro às pessoas, para financiar suas atividades. Porém, a crise de 2008 abalou, o MEC apertou e o mercado encolheu. De uma situação como essa é difícil escapar, a menos, é claro, que seja uma empresa de fora e que esteja vendo nosso setor de ensino superior como uma ótima oportunidade, uma espécie de “pesca em barril”. Para as que ainda não foram “pescadas”, a atividade de captar recursos da comunidade vem angariando interessados.
A estrutura de captação de recursos envolve profissionais e voluntários engajados sob a batuta de “leaders”, que desenvolvem ações com a comunidade acadêmica e a sociedade, realizando eventos e pedindo dinheiro a figurões da mídia, milionários e principalmente a pessoas comuns que um dia estudaram em um de seus cursos ou participaram de atividades vinculadas à elas. Em particular Stanford , em 2008, foi a recordista de captação nos EUA, com uma arrecadação de US$ 911 milhões. Mas Harvard não pode ser desconsiderada, pois acumulou ao longo do último século quase 40 bilhões de dólares para o seu fundo patrimonial, que custeia todo seu programa de bolsas de estudo e pesquisa e viabiliza a modernização de suas instalações e qualificação de seus docentes.
O motivo desse sucesso não é o acaso. Essas universidades construíram estruturas de desenvolvimento institucional, verdadeiros centros especializados em fidelizar alunos para se tornarem potenciais doadores no futuro e captação de heranças. Tudo bem que a cultura da doação e do voluntariado faz parte dos fundamentos da sociedade norte-americana, e eles levam a sério a filantropia e o altruísmo. Por isso, por exemplo, há nos Estados Unidos profissionais especializados em captar no ensino superior. Aliás, captar recursos é uma profissão altamente reconhecida há muitos anos.
Nas ONGs, a captação de recursos, na forma de projetos que objetivam subvenções e financiamentos de fundo perdido, é a forma de sobrevivência e viabilização de suas atividades. No nosso caso, podemos cobrar pelos serviços que prestamos e daí vem a nossa maior fonte de receita. Mas isso não está sendo suficiente para sustentar algumas de nossas instituições neste momento. Podemos lançar mão de outras fontes. As empresas, por exemplo, precisam de empreendimentos sociais para exercer sua responsabilidade social. Muitas delas montam projetos que em muito se assemelham à nossa extensão comunitária. Elas podem se associar a nós. As fundações empresariais e também as fundações que apóiam causas distintas podem colaborar conosco. Agências internacionais e instituições de fomento podem viabilizar nossos centros de pesquisas. E as pessoas também podem nos ajudar com doações em dinheiro, materiais e trabalho voluntário.
Em 2008, no Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular, o Prof. Hermes Figueiredo, presidente do SEMESP, disse com propriedade que "um setor que depende exclusivamente do pagamento de mensalidades dos alunos não pode sobreviver com uma inadimplência tão alta". Sem dúvida que este é um problema bastante relevante para as IES privadas. Entretanto, do ponto de vista das instituições filantrópicas, como vão driblar essa dificuldade para continuar cumprindo sua missão, já que não podem lançar-se na bolsa de valores? Um setor que depende exclusivamente do pagamento de mensalidades precisa identificar outras formas de viabilizar-se! Sem dúvida que pressionar o Governo a expandir as formas de financiamento estudantil é uma dessas medidas.
Pensando em encontrar saídas para o problema, a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP e representantes do ensino superior propuseram a criação de uma lei de incentivo para a educação. Seria semelhante às da cultura e do esporte, ou seja, um desconto de IR para pessoas físicas e jurídicas que fizerem doações em dinheiro, para a reforma de salas de aula e concessão de bolsas de estudos.
Outro caminho seria implantar um sistema de gestão que, de um lado, viabilize uma área de marketing ativa no processo de criar demandas e, de outro, um programa para gerir melhor os recursos e evitar os desperdícios. Ambas as medidas são adequadas até mesmo em tempos de bonança.
Somada a todas essas e outras possibilidades, a captação de recursos da sociedade e da comunidade acadêmica é uma das melhores alternativas no momento, porque se trata de uma atividade relativamente barata e cujo volume de recursos tende a ser crescente na medida do aprimoramento da equipe e do tempo empenhado na atividade. Além disso, permite envolver e desenvolver pessoas com potencial para liderança e empregar voluntários.
O pessoal de Harvard e de Stanford sabe, há muito tempo, que ex-alunos, grandes nomes e fortunas (podem e) ajudam muito, sem contar o que conseguem captar de outras fontes. A captação de recursos nessas instituições é um trabalho importante e cujo resultado é medido e reconhecido pela excelência de seus cursos, a qualidade de seus docentes e pesquisadores e a enorme contribuição para o crescimento da sociedade norte-americana e sua qualidade de vida. Seguindo esta linha, USP, Mackenzie, Faculdades Rio Branco, UFRGS, EAESP-FGV, UFSC, só para citar algumas, já lançam mão dessa alternativa há alguns anos, e com sucesso.
Mas é bom deixar claro que a captação de recursos não é uma solução de curto prazo. Não é da noite para o dia que mobilizamos um contingente de pessoas para ajudar e doar. E também não é de qualquer maneira. Não é a qualquer um, nem a qualquer momento, nem de qualquer jeito e nem por qualquer um que se pede uma doação. Por trás do ato simples de pedir, há técnicas, estratégias e instrumentos.
Contudo, as instituições filantrópicas precisam incorporar de fato seu caráter não lucrativo. Isto porque muitas delas assumiram a filantropia apenas como forma de obter as benesses do Estado. A verdadeira filantropia é reconhecida e apoiada pela sociedade, o que viabiliza e facilita o processo de abordagem e solicitação de participação na causa social.
Na milenar cultura chinesa, toda “crise” pressupõe “riscos” e “oportunidades”. Evidentemente que as instituições que foram mais arrojadas tornaram-se mais vulneráveis, enquanto outras, mais conservadoras, avaliaram com mais apuro os sinais da sociedade e do mercado. As IES em situação mais delicada tornaram-se as boas oportunidades para as que estão capitalizadas e que buscam escala.
Segundo a Gazeta Mercantil, em 2008, 33 faculdades foram compradas por um grupo de sete empresas, algumas com capital aberto, no valor de 300 milhões de reais. O economista Ruy Coutinho, da LatinLink, avaliou que a concentração no setor será tão grande que, até 2015, os 20 maiores grupos estarão respondendo por 70% dos alunos do ensino superior privado. Os 30% restantes estarão distribuídos por faculdades de menor porte, com atuação local ou regional. Esta aí um futuro possível e ao mesmo tempo preocupante para as fundações educacionais.
C. Eduardo A. Nogueira é mestre em Administração e Desenvolvimento Empresarial, gestor de IES, membro da Associação Brasileira de Captadores de Recursos. (ceanogueira@bol.com.br)