9 de setembro de 2011

PESCARIA EM BARRIL, O FACEBOOK

Assisti recentemente ao filme “A Rede Social”, de David Fincher, que conta a história da criação do Facebook, idealizado e executado pelo gênio da computação Mark Zuckerberg ou MZeus, como o chamarei aqui.
Após assistir ao filme, procurei ver a crítica na internet, porque não li nos créditos nada que me desse a certeza de que ele havia contribuído no script. E a crítica confirmou que ele não participou em nada na feitura do filme e nem comentou nada a respeito do argumento.
Quem conhece um pouco de relações públicas sabe que é melhor não comentar nada mesmo, porque qualquer comentário pode ter múltiplas interpretações, e aí a coisa fica sem controle. MZeus tem razão em não se pronunciar sobre sua biografia não autorizada, retratada no filme.
É uma pena que ele não tenha se posicionado em relação ao argumento do filme, porque o quadro pintado dele é de uma pessoa com caráter duvidoso. Quanto às obras cinematográficas, é bom lembrar, nunca são um retrato fiel da realidade onde se basearam e, como se diz no popular, “quem conta um conto aumenta um ponto”. É possível que nem todos os fatos sejam verdade. No entanto, quem cala consente. Assista ao filme, avalie e chegue à sua própria conclusão.
Antes de ir fundo em minha análise, quero registrar que sou um “fã de carteirinha” do Gene Roddenberry. Em uma cena do filme “Star Trek: First Contact” há uma passagem que espero que venha se tornar realidade o quanto antes. O capitão Picard trava um diálogo com uma terráquea do século 21, Lilly, que pergunta quanto custou para construir a nave Enterprise. Ele diz que “a economia do futuro é meio diferente. (...) dinheiro não existe no século 24. A aquisição de fortuna não é mais uma motivação para nós. Procuramos nos aprimorar e ao resto da Humanidade”.
O ponto focal da minha análise não está no diálogo entre os personagens Picard e Lilly, nem na criatividade do idealizador do Facebook, muito menos em sua capacidade de interpretar o comportamento da juventude, como mostra a obra de David Fincher. Minha análise está calcada em dois aspectos. O primeiro na questão moral de toda essa construção e, principalmente, nos valores que são apresentados pela conduta de MZeus. A segunda está focada no Facebook como negócio e como é conduzida a sua exploração.
Neste momento, para mim, não vale a pena ter uma conta no Facebook. Pode até parecer ingenuidade minha ou radicalismo, o comportamento imoral contamina, principalmente os mais jovens, que buscam em Mark Zuckerberg uma fonte de inspiração e exemplo a ser seguido. Tenho uma reputação a zelar enquanto educador e empreendedor.
Porém, antes que comecem a falar que sou contra o capitalismo, que sou contra a inovação e a tecnologia, que sou retrógrado, da esquerda ou qualquer outra pecha, digo que sou contra quem explora os desavisados. Essa lógica é típica de gente gananciosa. Por isso o Picard entrou no texto. Não vejo a hora em que a Humanidade vai abrir mão dessa mesquinharia para se dedicar ao que realmente importa.
Por conta disso, se eu fosse Deus, apagaria o sol, as estrelas, acabaria com as flores e deixaria o tempo ainda mais quente. O Facebook acabou com a alegria da descoberta, não sem uma ajudinha de outros gananciosos do mundo da informática e das tecnologias de informação e comunicação. As amizades agora são bytes e as experiências sensoriais se reduziram a fotos e filmes. O toque, o carinho, o cheiro, o gosto e a alegria viraram meramente abreviações e “emoticons”. Não sei o que o Peter Drucker falou a respeito desses fenômenos para o futuro da Humanidade, quando a juventude, ao invés de estar brincando na rua, flertando e explorando a obra do Criador, está perdendo a vida no Facebook. MZeus e seus associados agradecem.
Segundo dados da revista IstoÉ Dinheiro (7/set/2011), o Facebook tem uma audiência cativa de 750 milhões de usuários em todo o mundo. E a empresa vale perto de US$ 66,5 bilhões. Audiência cativa é como pescaria em barril, onde o Facebook é o barril e os usuários são os peixes. Qual é a sua chance de escapar do anzol? Nenhuma. Mesmo que você não se interesse pela isca, é só puxar a vara que o anzol te pega em qualquer parte.
Aqui fora, no mundo real, quando você não quer ser fisgado pela propaganda ostensiva, basta, por exemplo, não assistir televisão, não ouvir rádio, não ler jornais ou revistas. Algo bastante fácil. Neste caso, você ainda goza de certo grau de livre-arbítrio. No Facebook, para se sentir aceito(a), você abre mão do livre-arbítrio. MZeus e seus clientes agradecem.
O Facebook é um negócio antes de ser uma rede social. E a finalidade de todo negócio é ter lucro. Você, usuário, é o cliente ou o produto do Facebook? Acertou se disse que é o produto. Clientes do Facebook são os anunciantes, os fornecedores de conteúdo, de games, mais recentemente as lojas virtuais e todo tipo de empresa que queira pagar boas somas para pescar no barril do Facebook.
O mais absurdo dessa história toda é que você está entregando a sua vida para o Facebook e, ainda por cima, pagando! Para o Facebook valer 66,5 bilhões de dólares, você entrou, até o momento, com pelo menos US$ 88,67. E o que ganhou em troca? Sua escravidão. MZeus e seus clientes agradecem mais uma vez.
MZeus não vai contar o pulo-do-gato para sua audiência cativa. Ele não é maluco! Vou contar um pouco do que sei sobre seu modelo de negócio e de sucesso. Se eu disser alguma besteira, então procure um amigo programador e ele vai te explicar melhor. Depois, você decide o que fazer com sua vida. O Facebook é um programa, um zilhão de rotinas e sub-rotinas que dão essa aparência quando você “entra” e possibilitam as infinitas formas de relacionamentos, curtições, cutucadas etc. etc. etc. Cada vez que você entra no Facebook, o que você redige, seu histórico de navegação, enfim, toda sua experiência na internet, está sendo monitorada e “informada”. Milagrosamente você vê anúncios subliminares de coisas que te interessam, que você tem afinidade. Por que será? “Ao curtir um post ou fazer um elogio, os consumidores passam um recado valioso que pode, em algum momento, se transformar em dinheiro no caixa das empresas” (revista IstoÉ Dinheiro de 7/set/2011).
É um negócio sensacional! Sou do tempo em que eram necessários vários formulários de cadastro, de lugares diferentes, para conhecer o seu perfil, para depois mandar mala direta ou catálogos. O Facebook é a fusão disso tudo em um único lugar. Fantástico! A diferença de ontem para hoje é que você podia jogar a mala direta fora antes mesmo de abrir. Você ainda detinha poder neste processo.
Depois de assistir ao filme, concluí que Mark Zuckerberg é um deus! Como o verdadeiro Criador, criou um mundo só para ele e nos oferece o paraíso da aceitação social por input.
Mas de onde vem o sucesso do MZeus e do Facebook? Será que vem da sua própria capacidade e competência em programação? Será que vem de sua assessoria altamente competente? De executivos bem formados e experientes no mundo dos negócios? Será que vem dos nerds de Harvard? Sim, vem de todos esses e muitos outros. MZeus, por ser jovem, entende como a juventude pensa e seus anseios, medos, desejos e necessidades. Mas mesmo com todo esse arsenal de gente, competências, capacidades e conhecimentos, o sucesso de MZeus, por incrível que pareça, está na sua entrada voluntária no Facebook e o fornecimento de seu perfil, desejos e sua rede de amigos. E você, o que ganha com isso? Não ganha nada.
Ainda segundo a matéria, “em 2010, a receita do Facebook foi de US$ 1,86 bilhão (...). Neste ano, deve alcançar a casa dos US$ 5 bilhões. A expectativa é de que 80% desse valor venha da área de publicidade e os 20% restantes devem ser obtidos pela área de entretenimento do site”.
Moral da história: minha mulher e eu somos neste momento ex-“Orkuteers” e ex-“Facebookeers”. Para nós, nada justifica o enriquecimento pela ganância, pela traição, por uma moral conveniente, por uma ética empresarial questionável e duvidosa, por esconder os reais objetivos do negócio e, principalmente, por enganar os ingênuos e desavisados. Profissionalmente, vejo o Facebook com um negócio sensacional, uma sacada de gênio. No entanto, todo o brilhantismo vai para o ralo por causa do seu caráter e incongruência.
Reflita sobre isso. A Humanidade está se perdendo na ganância para enriquecer, para acumular coisas, para ser bonito(a) e bem aceito(a) etc. A vida é aquilo que acontece enquanto você está conectado no cyberspace, no Facebook.
P.S. Se mesmo assim você decidir ficar no Facebook, então comece a cobrar pelas informações que você dá. Peça ao MZeus para compartilhar com você um pouco da riqueza que ele acumulou te explorando, ou caia fora do Facebook, para ele saber que você está consciente.
Veja também o link abaixo:

31 de agosto de 2011

Se indignar pra que?

Várias pessoas com quem cruzei o caminho hoje vieram externar sua indignação com a absolvição da filha do Joaquim Roriz, acusada de quebra de decoro parlamentar por ter saído com R$ 50 mil na calcinha, envolvida no mensalão do DEM, no Distrito Federal.
A gente se indigna com isso porque pensamos que nossos representantes no Congresso, na Assembleia Legislativa e na Câmara Municipal deveriam ter, por princípios, uma conduta impecável para legislarem em benefício de toda a sociedade.
Passei algumas horas pensando nisso para achar um posicionamento adequado, porque alguém vai me questionar novamente a respeito desse episódio e de outros correntes. Com o pouco de conhecimento que tenho Filosofia, lembrei-me de duas palavrinhas complicadas de explicar para as crianças: “ética” e “moral”. Confesso que até hoje não sei bem o que é “ética”, mas “moral” conheço bastante. Perante o Congresso que está estabelecido hoje em Brasília, é imoral mentir descaradamente, não ter fidelidade filosófica e partidária, agradecer dinheiro de campanha com favores públicos, manipular editais para beneficiar amigos, viajar em jatinho de empreiteira, legislar em benefício próprio, reforçar o corporativismo, indicar amigos para ocupar cargos públicos importantes etc. etc. etc.? Não, nestas instâncias legislativas isso está absolutamente dentro do conjunto de regras morais que boa parte deles segue na sua vida cotidiana. É só rever o discurso da deputada Roriz em sua própria defesa ontem no plenário da Câmara.
Mas, por que eles foram eleitos? Essa é uma pergunta cuja resposta poucos se arriscam a dar. Não seria porque nós quisemos que fosse assim? Essas pessoas nessas três instâncias não são nossas representantes? Usando um pouco de lógica, se essas pessoas foram eleitas para nos representar é porque nós assim quisemos. Assim é a democracia. Se elas tem esse comportamento imoral é porque nós assim permitimos. E se nós assim permitimos é porque somos iguaizinhos a eles. Se eles são imorais é porque nós também somos imorais.
Perante a lei, roubar é uma coisa só. O que muda é o grau do roubo. Portanto, usando a lógica, roubar um pedaço de carne para matar a fome é a mesma coisa que roubar a merenda escolar para comprar uma casa na Flórida. O que muda é a intensidade do que é roubado e a quantidade de pessoas prejudicadas. Dar uma caixa de bombons em agradecimento a um documento público conseguido mais rápido que o procedimento normal é a mesma coisa que dar um carro em agradecimento por um edital manipulado numa licitação de construção de estrada. O nome disso é corrupção.
O problema todo é que estamos acostumados a termos comportamentos imorais todos os dias, em maior ou menor grau, e nós mesmos fazemos vista grossa para isso em nós e nos outros. “Não cobro de você e você não cobra de mim”. “Todo mundo tem telhado de vidro”! A degradação da educação na célula familiar é consequência direta disso. Alunos batendo em alunos; alunos batendo em professores; pais batendo em professores; pais batendo em pais. Os exemplos se amontoam todos os dias nos noticiários e nas ruas. Bullying e problemas psicológicos para todos os lados.
Torço todos os dias para ver o Alexandre Garcia, o Boris Casoy, o Joelmir Beting e todos os respeitáveis jornalistas, que nos falam através da mídia todos os dias, mostrarem o “jeitinho brasileiro” e a “vantagem” como imorais, porque eles são a base de toda a corrupção que assola nosso país. Se isso, por um milagre acontecer, então teremos a chance de recolocar a educação no seu devido lugar e começarmos a construir um futuro diferente para este país. Até lá, se indignar para que?
31/08/2011

4 de dezembro de 2010

Fidelização de Alunos nas IES Privadas Filantrópicas

Quem alguma vez cursou Marketing aprendeu que o custo de manter um cliente é muito menor que o de captá-lo. A partir dessa constatação do bom senso, a expressão “fidelizar” se incorporou à linguagem da área.
A palavra “Fidelidade” significa lealdade e verdade. Pressupõe um comportamento de mão dupla organização-cliente. Quem a constrói é a organização, voltando seus olhos aos alunos, ajustando processos, facilitando a vida e agregando valor ao que ela tem de melhor.
O princípio do marketing bem sucedido é satisfazer desejos e necessidades dos clientes, o maior número de vezes e com o menor estresse possível.
A construção dessa fidelidade passa por estágios. A idéia é atrair, conquistar e manter clientes. Imagine uma escada de seis degraus. O topo é onde queremos nosso aluno. Mas, para chegar lá, precisamos fazê-lo dar o primeiro passo.
O primeiro degrau da escada é dos “suspects”, o universo de pessoas suspeitas de se tornarem alunos, mas que desconhecem nossa instituição. Ele ascende ao segundo degrau quando é impactado pelo mix de comunicação e passa a ter um grau de conhecimento de nós, mas ainda não se decidiu; este é o cliente “potencial”. O terceiro degrau é do aluno potencial que toma a decisão de nos experimentar, seja ingressando no ensino superior, ou sendo voluntário / assistido em projetos de extensão comunitária ou, ainda, comprando nossos cursos de curta duração. O quarto degrau é do aluno que está iniciando um compromisso mental com nossa instituição, seguindo adiante nos semestres ou voltando a participar de nossas atividades extracurriculares; esse é o cliente “repetidor”. Sobe ao degrau seguinte, de cliente “fiel”, o aluno que passa a nos preferir, sendo usuário assíduo dos serviços e consumidor dos produtos.
No entanto, o que a instituição está buscando efetivamente é o aluno que a defende. O “defensor” é aquele que luta ativamente por nós e nos recomenda aos amigos, que ajuda a manter nossas instituições e busca seu crescimento, até porque seu nome estará atrelado a ela até o fim de sua vida.
A ‘escada da lealdade’, como é chamada, faz lembrar duas importantes figuras do final do século passado, Richard Norman e Jan Carlzon. O primeiro foi criador da expressão “Momento da Verdade”, e o segundo foi quem o implantou na empresa de aviação escandinava SAS, e depois o difundiu por todo o mundo.
Segundo Richard Norman, “a qualidade experimentada pelo cliente é criada no Momento da Verdade, quando o prestador de serviços e o cliente se encontram em interação face a face”.
Os ‘momentos da verdade’ são experimentados pelo aluno cada vez que ele entra em contato conosco. Ao longo do ciclo, compara o nosso serviço prestado com suas expectativas iniciais, nos julgando conforme seus critérios de avaliação. Parece óbvio, mas a idéia de ‘fidelização’ depende de cada ‘momento da verdade’ positivo que conseguimos gerar para os alunos.
Os momentos críticos da verdade em uma IES são:
·  a propaganda (inteligente e verdadeira);
·  o vestibular (edital claro, processos de inscrição simples, atendimento cordial, organização);
·       a matrícula (rápida e organizada, sem pedir o que não está no edital, atendimento cortês);
·   a renovação de matrícula (‘log’ de matrícula testado e simulado, horários checados, dúvidas on-line em tempo real);
·   a tesouraria (precisa com a emissão dos boletos);
·   a secretaria acadêmica (organizada, sistematizada, responsável e rápida no atendimento às demandas);
·   a coordenação de curso (acessível, que resolve os problemas ou que encaminha para quem efetivamente vai resolver);
·   o corpo docente (preparado, qualificado e que orienta);
·   os serviços gerais (asseio impecável, manutenção em dia e arrumação adequada dos espaços);
·   a diretoria (acessível e que resolve os problemas).

Mas como, efetivamente, se constrói a fidelidade? Costumo dizer aos meus alunos, no primeiro dia de aula, que na vida, nos negócios e no Marketing “pequenos detalhes fazem grande diferença nos resultados” e “nada acontece por acaso”. Eu acredito piamente nestes dois princípios. Boa parte das IES privadas e filantrópicas está tão desconectada dos princípios mercadológicos que agem como se fossem organizações blindadas aos efeitos do mercado.
Há duas estratégias distintas para a fidelização de alunos nas IES. A primeira delas é constituir uma área de Inteligência Institucional, que pode ser uma comissão ou mesmo um departamento, responsável por compilar e analisar os relatórios semanais reportados pelos setores, as mensagens da ouvidoria e os resultados da CPA. A partir daí, propor ações. Ao invés de atuar de forma quase isolada, onde o administrativo cuida da administração, o acadêmico cuida do acadêmico e o financeiro cuida do financeiro, todos na instituição são diretamente responsáveis pelos momentos da verdade de nossos alunos, mesmo que não seja sua área especifica. Prestar atenção aos alunos e ouvi-los, como um posto de escutas, não custa nada.
Tom Connellan (Nos Bastidores da Disney. Ed. Futura) diz que cada um dos nossos colaboradores é um posto avançado de escutas. Encantar o cliente é uma tarefa das mais simples. O aluno está sempre nos sinalizando isso direta e indiretamente. Só como exemplo, uma IES de Minas Gerais recebeu a sugestão direta de uma aluna da Pedagogia, do turno da noite. O pedido dela era sutil: uma creche para colocar sua criança enquanto ela estudava. Ora, quantas mães deixam de estudar porque não têm com quem deixar seus filhos? Quantas escolheriam essa instituição, sabendo que lá tem uma creche? E ela ainda dizia que pagaria pelo serviço!
A segunda estratégia é implantar o Departamento de Desenvolvimento Institucional – DDI, área responsável por organizar e sistematizar a relação afetiva da instituição com os alunos no dia-a-dia, indo além do contato com os setores específicos e da frieza com que tratamos nossos alunos. Seria a construtora do “spirit-of-corp” em todo o corpo discente. Ao DDI caberia a construção dessa afetividade e “corporatividade” a partir das salas de aulas e em todos os momentos festivos, esportivos, de confraternização, articulando-os e guardando suas memórias, inclusive incentivando e ajudando na realização dos mesmos. Além disso, também seria responsável, como nas instituições norte-americanas e mexicanas, pela captação de recursos da comunidade acadêmica e da sociedade.
Fidelizar um aluno, torná-lo defensor, é questão de prestar atenção ao dia-a-dia dele e sua interação com nossas estruturas administrativa, acadêmica e financeira. Esse comportamento irá gerar a condição ideal para ele mesmo querer nos ajudar a manter a nossa sustentabilidade. Não é necessário despender grande soma de recursos, mas de usá-los com sabedoria. 

(*) C. Eduardo A. Nogueira é mestre em Administração e Desenvolvimento Empresarial, professor universitário, gestor de IES, membro da Associação Brasileira de Captadores de Recursos – ABCR e sócio-diretor da Habilis Consultoria e Assessoria Ltda. (ceanogueira@bol.com.br)

Este artigo foi originalmente publicado na Revista Gestão Universitária.

29 de novembro de 2010

Sustentabilidade e Captação de Recursos nas Instituições de Ensino Superior Filantrópicas

Sustentabilidade é um assunto que interessa a toda e qualquer organização social. A premissa da sustentabilidade é a instituição dispor de receitas próprias que sejam suficientes para manter todas as suas atividades. No nosso caso, por que estaríamos atrás de recursos de terceiros? Toda organização precisa ser viável. Ela deve conseguir se manter com suas próprias receitas somadas aos recursos doados. A questão da sustentabilidade está também ligada à diversificação no modo de obter recursos, sem que haja qualquer forma de dependência de alguma fonte.
Os conceitos de sustentabilidade e de captação de recursos, para as organizações do Terceiro Setor, são como arroz e feijão, café com leite, ou seja, andam juntas. Os dois temas passaram a atrair a atenção da mídia por conta da necessidade de encontrar alternativas que viabilizem o equilíbrio das instituições de ensino superior, neste caso às filantrópicas, em especial as fundações.
A captação ou mobilização profissional de recursos, voltada à sustentabilidade das instituições filantrópicas de ensino superior, está começando a engatinhar no Brasil, como aconteceu com o México há 15 anos. Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e outros países da Europa são as referências para nós no ensino superior. Em especial nos EUA, a prática é profissional e já existe há pelo menos 150 anos. Ou seja, não é assunto novo. Até as organizações não governamentais - ONG e instituições sem fins lucrativos já utilizam técnicas e estratégias reconhecidamente eficazes há bastante tempo.
Algumas IES nacionais já utilizam as técnicas de captação há alguns anos. Com um mercado em franco crescimento, com demanda reprimida, não era de se espantar que alguém ficasse muito entusiasmado em montar uma área para pedir dinheiro às pessoas, para financiar suas atividades. Porém, a crise de 2008 abalou, o MEC apertou e o mercado encolheu. De uma situação como essa é difícil escapar, a menos, é claro, que seja uma empresa de fora e que esteja vendo nosso setor de ensino superior como uma ótima oportunidade, uma espécie de “pesca em barril”. Para as que ainda não foram “pescadas”, a atividade de captar recursos da comunidade vem angariando interessados.
 A estrutura de captação de recursos envolve profissionais e voluntários engajados sob a batuta de “leaders”, que desenvolvem ações com a comunidade acadêmica e a sociedade, realizando eventos e pedindo dinheiro a figurões da mídia, milionários e principalmente a pessoas comuns que um dia estudaram em um de seus cursos ou participaram de atividades vinculadas à elas. Em particular Stanford, em 2008, foi a recordista de captação nos EUA, com uma arrecadação de US$ 911 milhões. Mas Harvard não pode ser desconsiderada, pois acumulou ao longo do último século quase 40 bilhões de dólares para o seu fundo patrimonial, que custeia todo seu programa de bolsas de estudo e pesquisa e viabiliza a modernização de suas instalações e qualificação de seus docentes.
 O motivo desse sucesso não é o acaso. Essas universidades construíram estruturas de desenvolvimento institucional, verdadeiros centros especializados em fidelizar alunos para se tornarem potenciais doadores no futuro e captação de heranças. Tudo bem que a cultura da doação e do voluntariado faz parte dos fundamentos da sociedade norte-americana, e eles levam a sério a filantropia e o altruísmo. Por isso, por exemplo, há nos Estados Unidos profissionais especializados em captar no ensino superior. Aliás, captar recursos é uma profissão altamente reconhecida há muitos anos.
Nas ONGs, a captação de recursos, na forma de projetos que objetivam subvenções e financiamentos de fundo perdido, é a forma de sobrevivência e viabilização de suas atividades. No nosso caso, podemos cobrar pelos serviços que prestamos e daí vem a nossa maior fonte de receita. Mas isso não está sendo suficiente para sustentar algumas de nossas instituições neste momento. Podemos lançar mão de outras fontes. As empresas, por exemplo, precisam de empreendimentos sociais para exercer sua responsabilidade social. Muitas delas montam projetos que em muito se assemelham à nossa extensão comunitária. Elas podem se associar a nós. As fundações empresariais e também as fundações que apóiam causas distintas podem colaborar conosco. Agências internacionais e instituições de fomento podem viabilizar nossos centros de pesquisas. E as pessoas também podem nos ajudar com doações em dinheiro, materiais e trabalho voluntário.
Em 2008, no Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular, o Prof. Hermes Figueiredo, presidente do SEMESP, disse com propriedade que "um setor que depende exclusivamente do pagamento de mensalidades dos alunos não pode sobreviver com uma inadimplência tão alta". Sem dúvida que este é um problema bastante relevante para as IES privadas. Entretanto, do ponto de vista das instituições filantrópicas, como vão driblar essa dificuldade para continuar cumprindo sua missão, já que não podem lançar-se na bolsa de valores? Um setor que depende exclusivamente do pagamento de mensalidades precisa identificar outras formas de viabilizar-se! Sem dúvida que pressionar o Governo a expandir as formas de financiamento estudantil é uma dessas medidas.
Pensando em encontrar saídas para o problema, a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP e representantes do ensino superior propuseram a criação de uma lei de incentivo para a educação. Seria semelhante às da cultura e do esporte, ou seja, um desconto de IR para pessoas físicas e jurídicas que fizerem doações em dinheiro, para a reforma de salas de aula e concessão de bolsas de estudos.
Outro caminho seria implantar um sistema de gestão que, de um lado, viabilize uma área de marketing ativa no processo de criar demandas e, de outro, um programa para gerir melhor os recursos e evitar os desperdícios. Ambas as medidas são adequadas até mesmo em tempos de bonança.
Somada a todas essas e outras possibilidades, a captação de recursos da sociedade e da comunidade acadêmica é uma das melhores alternativas no momento, porque se trata de uma atividade relativamente barata e cujo volume de recursos tende a ser crescente na medida do aprimoramento da equipe e do tempo empenhado na atividade. Além disso, permite envolver e desenvolver pessoas com potencial para liderança e empregar voluntários.
O pessoal de Harvard e de Stanford sabe, há muito tempo, que ex-alunos, grandes nomes e fortunas (podem e) ajudam muito, sem contar o que conseguem captar de outras fontes. A captação de recursos nessas instituições é um trabalho importante e cujo resultado é medido e reconhecido pela excelência de seus cursos, a qualidade de seus docentes e pesquisadores e a enorme contribuição para o crescimento da sociedade norte-americana e sua qualidade de vida. Seguindo esta linha, USP, Mackenzie, Faculdades Rio Branco, UFRGS, EAESP-FGV, UFSC, só para citar algumas, já lançam mão dessa alternativa há alguns anos, e com sucesso.
Mas é bom deixar claro que a captação de recursos não é uma solução de curto prazo. Não é da noite para o dia que mobilizamos um contingente de pessoas para ajudar e doar. E também não é de qualquer maneira. Não é a qualquer um, nem a qualquer momento, nem de qualquer jeito e nem por qualquer um que se pede uma doação. Por trás do ato simples de pedir, há técnicas, estratégias e instrumentos.
Contudo, as instituições filantrópicas precisam incorporar de fato seu caráter não lucrativo. Isto porque muitas delas assumiram a filantropia apenas como forma de obter as benesses do Estado. A verdadeira filantropia é reconhecida e apoiada pela sociedade, o que viabiliza e facilita o processo de abordagem e solicitação de participação na causa social.
Na milenar cultura chinesa, toda “crise” pressupõe “riscos” e “oportunidades”. Evidentemente que as instituições que foram mais arrojadas tornaram-se mais vulneráveis, enquanto outras, mais conservadoras, avaliaram com mais apuro os sinais da sociedade e do mercado. As IES em situação mais delicada tornaram-se as boas oportunidades para as que estão capitalizadas e que buscam escala.
Segundo a Gazeta Mercantil, em 2008, 33 faculdades foram compradas por um grupo de sete empresas, algumas com capital aberto, no valor de 300 milhões de reais. O economista Ruy Coutinho, da LatinLink, avaliou que a concentração no setor será tão grande que, até 2015, os 20 maiores grupos estarão respondendo por 70% dos alunos do ensino superior privado. Os 30% restantes estarão distribuídos por faculdades de menor porte, com atuação local ou regional. Esta aí um futuro possível e ao mesmo tempo preocupante para as fundações educacionais.

C. Eduardo A. Nogueira é mestre em Administração e Desenvolvimento Empresarial, gestor de IES, membro da Associação Brasileira de Captadores de Recursos. (ceanogueira@bol.com.br)